Hora'EÇA - Um percurso pela vida e obra de
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EÇA de QUEIRÓS
(1845 - 1900)
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"A
obra de Eça de Queirós não envelheceu, podia ter sido escrita esta manhã" |
Cronologia
1845
25 DE NOVEMBRO - Nascimento
de José Maria d'Eça de Queirós, na Póvoa de Varzim.
1 DE DEZEMBRO - Baptizado na matriz de Vila
do Conde. |
Póvoa de Varzim. |
Os pais de Eça, D. Carolina e
Dr. José Maria d'Almeida Teixeira
de Queirós. |
1849
3 DE SETEMBRO
- Casamento dos pais, em Viana do Castelo. Eça é entregue ao cuidado dos avós, em Verdemilho, Aveiro.
1855
ABRIL - Internamento
no colégio da Lapa, no Porto. Aí conhece Ramalho Ortigão, filho do director. |
1858
OUTUBRO - Exames de latinidade, francês
e filosofia racional e moral.
1861
14 DE OUTUBRO - Matrícula na Universidade,
em Coimbra, onde passa a residir. |
A Coimbra
romântica do Mondego
e do
Choupal. |
O 4º andar do nº 26, do Rossio. |
1865
Conhece Antero de Quental
1866
Publicação do primeiro texto, "Notas
Marginais", na "Gazeta de Portugal".
22 DE JUNHO
- Exames finais do curso jurídico. Vai residir em Lisboa com a família, no Rossio, 26, 4º andar.
DEZEMBRO -
Partida para Évora, onde funda e dirige o jornal "O Distrito de Évora". |
1867
28 DE JULHO - Regresso a Lisboa.
DEZEMBRO - Na Travessa do Guarda-Mor, forma-se
o "Cenáculo".
1869
29 DE AGOSTO - Primeiros versos de "Carlos
Fradique Mendes", escritos com Batalha Reis e Antero.
OUTUBRO - Viagem ao Egipto, Palestina e
Síria. |
Ramalho Ortigão e Eça de Queirós
(1875). |
1870
MAIO - É feito administrador de concelho de Leiria.
24 de JULHO
- Primeiro folhetim de "Mistério da Estrada de Sintra", escrito com Ramalho. |
1871
MAIO - Primeiro
número de "As Farpas", escritas com Ramalho.
Primeira conferência do Casino Lisbonense.
20 DE DEZEMBRO
- Chegada a Havana como cônsul.
1873
MAIO - Viagem
aos Estados Unidos e Canadá. |
1874
DEZEMBRO - Chegada ao consulado de Newcastle-on-Tyne,
na Grã-Bretanha. |
Newcastle-on-Tyne. |
A casa de Bristol. |
1875
15 DE FEVEREIRO - Início da publicação de
"O Crime do Padre Amaro".
1878
28 DE FEVEREIRO - É posto à venda "O Primo
Basílio".
ABRIL - Toma posse, como cônsul, em Bristol. |
1880
Início da colaboração na "Gazeta de
Notícias", do Rio de Janeiro.
1884
SETEMBRO -
Almoço, no Palácio de Cristal, no Porto, do "Grupo dos Cinco": Eça, Oliveira Martins, Antero, Ramalho e Guerra
Junqueiro.
1886
10 DE FEVEREIRO
- Casamento com Emília de Castro Resende.
1887
JUNHO - Publicação
de "A Relíquia". |
1888
JUNHO - São postos à venda "Os
Maias".
AGOSTO - Início da publicação de "A Correspondência
de Fradique Mendes" .
20 DE SETEMBRO - Tomada de posse, como cônsul,
em Paris. |
Casa da Rua Charles Laffitte, nº 32,
em Paris, onde Eça residiu de
1891 a 1893. |
1889
26 DE MARÇO - Jantar com Os Vencidos da
Vida.
1 DE JULHO - Primeiro número da "Revista
de Portugal", de que Eça é director.
1890
Sai "Uma Campanha Alegre", reedição das "Farpas" de Eça.
1892
Primeira visita à propriedade de Santa Cruz do Douro, a Tormes de "A Cidade
e as Serras".
1897
São publicados, na "Revista Moderna", os contos "A Perfeição" e "José Matias").
A revista dedica um número a Eça. |
Hotel du Righi Vaudois,
na Suiça. |
1900
FEVEREIRO -
Viagem ao sul de França em busca de saúde.
28 DE JULHO
- Partida, com Ramalho, para a Suíça, já gravemente doente.
11 DE AGOSTO
- Morte em Paris, na Avenue du Roule. Chegada do corpo a Lisboa e funerais Nacionais. |
Fonte principal: Beatriz Berrini, "Eça de Queiroz: palavra e imagem", Inapa,
Lisboa,1989.
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... em Cascais
A Cidadela
de Cascais
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Quando D.Luís
I, em 1870, escolheu a Cidadela de Cascais para paço real, nos meses de verão,
a corte seguiu-lhe os passos. Até esta data, Cascais era quase inexistente nos roteiros e hábitos de vilegiatura oitocentistas.
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Com a morte do
rei e a sucessão ao trono de seu filho, D. Carlos, Cascais , com a adjacência dos Estoris - afirmava o escritor Henrique de
Vasconcelos a Raul Brandão - "era a corte na intimidade, em robe-de-chambre, mais fáceis as relações,
mais acessíveis e amáveis, tu cá tu lá.(...) O D. Carlos fazia vida higiénica de madrugador, tirava fotografias, pintava ligeiramente
algumas marinhas, sentindo o mar. Logo de manhã, saía de carro, com chuva ou com sol (demorava-se até meados de Novembro em
Cascais)..." |
D.
Carlos na Cidadela de Cascais
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O centro
da vida social e desportiva das elites centrava-se no Sporting Club de Cascais, a Parada, "capital do reino de Cascais".
Inaugurado
em 15 de Outubro de 1879, era impressionante a sua lista de sócios. |
Fachada
do e edifício do Sporting Club de Cascais, hoje Museu do Mar - D. Carlos I
D.
Carlos I, presidindo a uma distribuição de troféus, no Sporting Club de Cascais.
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Para além
do próprio rei D. Carlos e do infante D. Afonso, e da aristocracia copiosa, pertenceram a este clube políticos de primeira
linha (Fontes Pereira de Melo, Barros Gomes, Serpa Pimentel, Dias Ferreira, Ferreira do Amaral), membros do corpo diplomático
creditado em Lisboa, militares prestigiados (Hermenegildo Capelo, Aires de Ornelas, Paiva Couceiro), escritores (Camilo Castelo
Branco, Marcelino Mesquita), financeiros (Henry de Burnay, Jorge O'Neill, Manuel de Castro Guimarães), o eminente historiador
lusófilo Edgar Prestage (genro da escritora Maria Amélia Vaz de Carvalho), o
grande fotógrafo Joshua Benoliel, a elite local (Jaime Artur da Costa Pinto, José Passos Vela, Carlos Anjos, José Viana da
Silva Carvalho). Registemos, ainda, a presença do pai de Eça, o juiz conselheiro (e antigo deputado do Partido Progressista)
José Maria de Almeida Teixeira de Queirós.
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Dos
Onze Vencidos da Vida, pelo menos quatro tinham casa de veraneio em Cascais, própria ou
arrendada: Ficalho, Sabugosa, Arnoso e Lobo d'Ávila. Quanto aos restantes elementos do grupo, as referências mais importantes,
que atestam a sua permanência ou deslocação à vila de Cascais, dizem respeito a Ramalho, Eça e Oliveira Martins.
Hotel
Globo, Casino da Praia e a Casa de Maria Amália Vaz de Carvalho
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Por diversas
vezes, Eça se hospedou em Cascais, no Hotel Globo, frente à Baía, ou na Casa
de S. Bernardo (situada na Estrada da Boca do Inferno), pertencente ao Conde de Arnoso, Bernardo Pindela.
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O Conde
de Arnoso e sua mulher,
Matilde,
na "Casa de S. Bernardo"
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Carta de Eça de Queirós ao Conde de Arnoso"
(fragmento)
(Paris,
25-7-1896)
Meu querido Bernardo... Não quero eternizar esta epístola. Por
isso não te digo a saudade com que penso na varanda de Cascais e nas preguiçosas manhãs passadas a pasmar para a luz e para
a água, nas cavaqueiras com a prima Matilde, e nas noitadas em que sob o silêncio e a penumbra propícia decidíamos os grandes
problemas. Imagino que toda essa delícia aí se está repetindo, e que tem havido na varanda todas as cousas boas, vós, Sabugosas,
luar, frescura do mar, e um bocado de guitarra. Dá mil saudades a todos esses queridos amigos da varanda.
"Casa de S. Bernardo"
"Dá mil saudades a todos esses
queridos amigos da varanda". Eça a Arnoso, 1896 |
Carta de Eça de Queirós a sua mulher, Emília.
(fragmento)
Cascais, 11 de Maio, 1898
Minha
querida Emília
Estou aqui há dois dias, não tenho ido para o Estoril, como te anunciava,
porque o Hotel do Estoril me foi denunciado como cheio de gente doente, e pouco asseado. O Bernardo já aqui está, mas eu,
por três ou quatro dias, preferi estar no Hotel, que, ainda , vazio, e já lavado para a próxima Estação , é bastante confortável.
Estou, graças a Deus, melhor, mas ainda bronquítico. Além disso, ontem,
por equívoco e más informações, dei um passeio tremendo (perto de 14 quilómetros) sob um sol ardente e uma nortada furiosa
à busca do Pinhal da Guia! Cheguei derreado. E estou ainda hoje amarfanhado.
O tempo resplandecente como sol mas desesperado como vento. Cascais é a caverna
do velho Éolo, rei dos Aquilões.(...) |
Também a escritora Maria Amália Vaz de Carvalho abriu os salões da sua casa, de Cascais, ao convívio literário-mundano
dos escritores do seu tempo e a Eça de Queirós.
Casa de Maria Amália Vaz de Carvalho |
Texto de Maria Amália Vaz de Carvalho
"Eça
de Queirós- O Homem e o Artista".
(fragmento)
Foi há poucos dias que eu recebi aqui em Cascais, na pequena casa à beira do
Oceano, em que escrevo estas linhas, a súbita notícia da morte de Eça de Queirós. Tinha chegado um telegrama com a nova fatal
e por acaso fui eu das primeiras pessoas a sabê--la.
Como exprimir a pena profunda, a mágoa sem
nome, que a minha alma sentiu!(...)
(...) Corroía-o um mal invisível a que só ele não prestava atenção.
E, no entanto, passado o primeiro instante em que ao vê-lo, a gente se
quedava assustada e triste, era tal o encanto daquela palavra colorida, imprevista, cáustica, sem maldade, pitoresca e vária,
que os ouvintes, fascinados, não podiam mais lembrar-se de que era um doente que os estava deslumbrando assim. Esqueciam tudo
no deleite incomparável de o admirar. (...) Eça ouvia com maravilhosa e insinuante graça; dele, a conversa nunca foi um monólogo.
Era na réplica principalmente que o seu espírito incisivo e ágil seduzia e encantava. (...) |
A missa
por alma de Eça de Queirós foi mandada dizer por seus pais, na Igreja da Misericórdia de Cascais |
Igreja
da Misericórdia de Cascais
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Carta do Conde de Arnoso a D. Emília de Castro, viúva de Eça de Queirós.
(fragmento)
"Aqui nesta casa de
que tanto ele gostava, tudo me recorda o querido José Maria. Não há cadeira, não há lugar em que eu não (o) veja." |
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... diplomata
Eça de
Queirós foi um viajante por razões de profissão e de gosto.
Havana,
Newcastle, Bristol e Paris foram os seus postos consulares, mas o Egipto, a Terra Santa, os Estados Unidos da América, foram
também destinos de viagens empreendidas.
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Dos locais
onde viveu foi perspectivando a pátria, sem deixar de reflectir sobre a realidade que o país de acolhimento lhe facultava
- "Cartas de Londres" "Ecos de Paris", "Correspondência Consular",
são prova disso.
A
política internacional foi uma das mais fortes obsessões de Eça.
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Eça,
em Havana, cerca de 1873 |
A partir
de jornais londrinos e franceses, a que juntava as pinceladas da memória sobrante do seu turismo consular, permitia-se comentar
todo o mundo, retratar até na alma qualquer grupo humano.
Tanto assestava o seu "periscópio" para os chineses e para os problemas dos chineses, como interpretava
o Brasil e os brasileiros, a Venezuela , ou o México e os mexicanos, para não falar dos polacos, espanhóis e italianos, umas
vezes com ironia, outras com sarcasmo. |
Eça
na casa de Neuilly (Paris) |
... jornalista
Eça chega
a Lisboa, em 1866, bacharel em Direito e instala-se em casa dos pais, num 4º andar do Rossio.
A
sua aparição literária revela-se, exactamente a 1 de Outubro de 1866, nas colunas da "Gazeta de Portugal",
dirigida por Teixeira de Vasconcelos, prosseguindo na "Revolução
de Setembro", de Rodrigues Sampaio.
No
ano seguinte, de Janeiro a Agosto de 1867, instalou-se em Évora, onde dirigiu e trabalhou como redactor do bissemanário "O Distrito de Évora". Sobre o 1º exemplar do jornal,
publicado a 6 de Janeiro de 1867, afirma : "um jornal que procura representar o direito, a justiça, a razão, o princípio,
a consciência moral, não será por certo inútil."
Será,
no entanto, no "Diário de Notícias" que se verifica a transição para outra fase literária
e, também, para outro tipo de escrita, que irá dar lugar à renovação da crónica e da reportagem no referido jornal e na própria
imprensa portuguesa.
A 23 de
Outubro de 1869, juntamente com o engenheiro Luís de Castro Pamplona, conde de Resende, e mais tarde seu cunhado, parte para
o Egipto, a fim de assistir à inauguração do Canal de Suez, de onde envia quatro textos, subordinados ao título "De
Port-Said a Suez" , que podem ser considerados como o testemunho vivo do 1º enviado especial do "Diário
de Notícias" ao estrangeiro.
Ainda
em 1870, à sombra das árvores do Passeio Público, Eça e Ramalho conceberam o "Mistério da Estrada de
Sintra" , um folhetim para o "Diário de Notícias" que provocou alvoroço, constituído
por 30 cartas dirigidas ao director do jornal. A publicação prolongou-se de 24 de Julho a 27 de Setembro e só no último folhetim
e, também, em forma de carta, os dois autores se identificaram.
Em 1874 é, ainda, ao serviço deste jornal que publica no "Brinde
aos senhores assinantes do "Diário de Notícias", o conto "Singularidades
de Uma Rapariga Loira" apelidado por Fialho de Almeida de "primeira narrativa realista."
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A Obra de EÇA de QUEIRÓS
Tormes,
a mesa em que escrevia
de
pé.
Publicações em vida
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1845 |
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Nascimento |
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1861 |
Coimbra |
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1866 |
Notas marginais (na
Gazeta de Portugal) |
Distrito de Évora
(Páginas de Jornalismo) |
1867 |
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Leiria |
1870 |
De Port-Said a Suez |
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Conferências do Casino |
1871 |
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As Farpas |
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As Farpas |
1872 |
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Cuba |
1874 |
Singularidades de Uma Rapariga Loira |
O Crime do Padre Amaro
(na Revista Ocidental) |
1875 |
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1876 |
(1ª ed. em livro) |
Cartas de Inglaterra |
1877 |
Newcastle |
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Manuscrito de
A Capital |
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1978 |
(1ª e 2ª ed.) |
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Manuscrito de A
Catástrofe |
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Manuscrito d'A
Tragédia da Rua das Flores |
Manuscrito de O Conde de Abranhos |
1879 |
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1880 |
No Moinho |
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Um Poeta Lírico |
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(1ª e 2ª ed.) |
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O Crime do Padre Amaro (2ª ed.) |
Manuscrito de Alves
& C.ª (?) |
1883 |
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Bristol |
1884 |
Prefácio francês de O
Mandarim |
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O Mistério da Estrada de Sintra (2ª ed.) |
Outro Amável Milagre |
1885 |
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(1ª versão de O
Suave Milagre) |
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1886 |
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1886 |
Casamento |
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Prefácio de Azulejos e de O Brasileiro Soares |
Manuscrito de O francesismo (?) |
1887 |
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Manuscrito da carta a
Camilo Castelo Branco |
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O Primo Basílio
(3ª ed.) |
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1888 |
Carta de Fradique Mendes (n'O Repórter) |
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1º nº da |
1889 |
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O Mandarim
(3ª ed.) |
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O Crime do Padre
Amaro (3ª ed.) |
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1890 |
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(2ª ed. de As Farpas) |
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Manuscrito de São
Cristóvão (?) |
Uma Campanha Alegre
(2º volume) |
1891 |
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1892 |
Civilização |
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A Aia |
1893 |
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Paris |
1894 |
Frei Genebro |
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O Tesouro |
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O Defunto |
1895 |
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1896 |
In Memoriam de
Antero de Quental |
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(na Revista Moderna) |
A Perfeição |
1897 |
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José Matias |
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A Ilustre Casa de Ramires |
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1898 |
O Suave Milagre |
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1900 |
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Morte |
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O Mistério da Estrada de Sintra
Romance
publicado em folhetins no DN, a meias com Ramalho Ortigão, no Verão de 1870. Ofélia Paiva Monteiro, no Dicionário de Eça de
Queirós, chama-lhe "brincadeira provocatória destinada a sacudir a modorra nacional". Teve
três versões. Ramalho manteve os seus textos inalterados, mas Eça fez alterações várias e relevantes na sua parte da "brincadeira".
O Crime da Padre Amaro
Considera-se
o primeiro romance realista de Eça. Conheceu três versões: a primeira edição em livro é de 1876, a terceira (e definitiva)
saiu em 1880. Um retrato mordaz de uma Igreja beata e fradesca, fechada em si mesma. O sacerdote Amaro viera para Leiria e
reparou na jovem Amélia. Uma paixão carnal e mística. Ameliazinha, de beijo em beijo, entregava-se a toda aquela proibida
aventura amorosa. Amaro, primeiro, assustado, "depois de ter tido aquele atrevimento com a pequena",
ia depois aliviando os espinhos da sua consciência. "Era um mártir do amor." E Amélia chorava.
E Amélia morre de paixão e amargura. O Crime d'O Padre Amaro, uma ficção que a realidade não conseguia desmentir. Na terceira
versão, Eça aperfeiçoa o conteúdo e a forma e insere o padre Ferrão, o abade todo ele bondade, que amenizou o tom anti-clerical da narrativa.
"Utilizou o Realismo, na ficção romanesca, para jogar com todas as armas contra as teias-de-aranha da mesquinhez
e da magra inteligência, visivelmente patentes em diferentes domínios da sociedade do seu tempo."
O Primo Basílio
Escrito
em Newcastle, a primeira edição, de três mil exemplares, de 1878, esgotou-se rapidamente. Eis que nasce nesta obra o imortal
Conselheiro Acácio. E o adultério de Luísa com Basílio sacode a hipocrisia e os encapotados vícios das "cenas
portuguesas". É, porventura, o romance em que Eça se preocupa com a humanização das personagens, mesmo ao desenvolver
a teia da intriga numa revoltada e espantosa Juliana. Uma obra, na qual nos damos conta de que as personagens principais e
secundárias acabam por ser, todas elas, de primeira linha na arte queirosiana.
"Eça subverte, para melhor denunciar os podres da sociedade em que viveu."
O Mandarim
Novela
fantasista que Eça escreveu para o "Diário de Portugal".
É narrador
desta novela o bacharel Teodoro, amanuense do Ministério do Reino, instalado numa pensão, onde leva uma vida monótona e medíocre.
Um certo dia descobre na Feira da Ladra um livro, com a fábula do mandarim, cuja riqueza poderá alcançar, se tocar uma campainha,
que desde logo o vitimará, nos confins da China, herdando-lhe depois os milhões. Teodoro tocará a campainha, começando, aí,
uma vida aventurosa de luxúria e dissipação... O protagonista acabará por suplicar ao Diabo que ressuscite o Mandarim, livrando-o
da sua fortuna. Regressará, assim, a uma vida de aborrecimento e saciedade, acabando por considerar que "só
sabe bem o pão que, dia-a-dia, ganham as nossas mãos".
A Relíquia
Uma noite
em Jerusalém... E eis uma obra que patenteia uma maturidade literária já inquestionável em Eça de Queirós. Publicada primeiramente
em folhetins na Gazeta de Notícias: do Rio de Janeiro, A Relíquia surge em livro, em 1887. Teodorico, o "Raposão",
órfão de pai e mãe aos sete anos, neto de um padre: faz um dia uma viagem ao Egipto e à Terra Santa. Por detrás de uma certa
comicidade das aventuras de Teodorico, fica o espaço para a reflexão.
"Eça usou
a ironia para ridicularizar a mediocridade e a hipocrisia."
Os Maias
Romance
em dois volumes, publicado em 1888, depois de uma gestação literária de oito anos.
É em Lisboa,
em pouco mais de um ano, que se passará a acção fundamental do romance.
Certo
dia, Carlos da Maia encontra-se, face a face, com a figura deslumbrante de Maria
Eduarda, que viera a Lisboa, acompanhada de um brasileiro, Castro Gomes, passando por mulher deste. O encontro entre os dois irá dar lugar à vivência de uma forte
relação amorosa. Ao tomar conhecimento de que a mulher que amava não é
casada, pensa de imediato, com o assentimento de Maria Eduarda, no matrimónio, até ao momento em que lhe é comunicado, com
base em documentos encontrados, que está envolvido numa relação encestuosa com a sua própria irmã.
Desesperado,
Carlos sairá do país, regressando, apenas a Lisboa, dez anos depois.
"Apesar de entusiasta da Comuna de Paris, a crítica social não é feita através de personagens das classes
trabalhadoras, mas da burguesia. É através da ironia e de uma certa crítica destrutiva que tenta dissecar uma sociedade que
quer ver transformada."
As Minas de Salomão
Escritas
pelo inglês Henry Ridder Haggard, As Minas de Salomão aparecem na Revista de Portugal -
dirigida por Eça de Queirós, entre Setembro de 1889 e 1890, quatro anos após a sua publicação em Inglaterra. Eça foi o tradutor
- muito livre - desta empolgante "aventura imperial" e quem ler o original e a versão do
escritor português concordará que o texto do apenas competente Haggard foi bastante melhorado pelo autor de Os Maias.
Eça sempre
negou que tivesse sido ele o autor da tradução, mas a verdade é que nunca revelou o nome do autor do trabalho.
Uma Campanha Alegre
Entre
1890 e 1891, Uma Campanha Alegre foi editada em dois volumes. Neles se fundem textos d'As Farpas, de Eça. É o próprio Eça
de Queirós quem, entretanto, e a uma distância de dezoito anos da publicação d'As Farpas em livro, dirige uma carta a Ramalho
Ortigão, confessando sentir-se já "longe delas e do estado de espírito que as inspirou".
A verdade é que, ainda hoje, não falta quem considere que As Farpas ganham a maior actualidade.
"Eça usou a arte da escrita para esgrimir contra uma história, que já era desajustada da sua época, a
pedir mudança." |
O editor
Ernesto CHARDRON.
Livreiro e editor, nasceu em França em 1840, falecendo no Porto, em 1885. Fundou no Porto a Livraria Internacional, na Rua
dos Clérigos.
Nem sempre as relações de
Eça com este seu editor foram fáceis. Em carta, que lhe dirige de Newcastle (5-2-1879) pode ler-se esta passagem: "Realmente, meu prezado amigo, seria
simplesmente jocoso o querer persuadir-me que a publicação dos meus livros tem sido para
si causa de perdas e transtornos; e não é menos curiosa a insistência com que V. Ex.cia às vezes me reclama trabalho. Que
eu esteja doente, ou tenha afazeres, ou esteja sem verve - é-lhe perfeitamente indiferente; as minhas conveniências, ou as minhas |
|
condições de espírito não lhe merecem a mínima consideração: o essencial é que eu produza tantas folhas de
prosa por dia, como um negro deve cortar uma certa porção de cana-de-açúcar. Eu digo-lhe isto, meu prezado amigo, em perfeita
harmonia e a rir; mesmo se V. Ex.ª relesse as cartas que às vezes me escreve riria também, a sangue frio, do despotismo com
que me impõe tarefas - como se eu não fosse um homem livre, num país livre."
A Chardron sucederia Lugan & Genelioux e a este Lello & Irmão, em
1894.
A Ramalho Ortigão
Grande
Hotel
Porto, 18 Julho 1883
Querido
Ramalho
Esqueci-me
dizer-lhe que eu prometi ao Chardron - como V. tinha dito - que a sua reclame no Brasil sobre "Os Maias" ficava às ordens do dito Chardron,
bem como os bons ofícios da Gazeta de Notícias.
Agora
peço-lhe que anuncie (Diário de Notícias parece-me um competente órgão) a venda de "Os
Maias" ao Chardron por um conto de réis. Se V. entender, ponha "dois".
Talvez a verdade seja preferível - para não desgostar a alma dos epaminondas. Chardron implora esta reclame.
Eu
estou aqui detido por um incómodo de intestinos (vulgar diarreia) que me apoquenta, me enfraquece e que não deixa seguir viagem.
É estúpido.
Escreva, e mil abraços do seu
Queirós
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Alfarrabista.
Nuno Canavez ,
junto
da sua montra queirosiana |
"O Crime do Padre Amaro" pode valer 1000 contos !!!
Em termos
de alfarrabista, um bom exemplar da 1ª edição de "O Crime do Padre Amaro" poderá valer mil
contos. Já "O Mistério da Estrada de Sintra" rondará os quinhentos, "O
Mandarim" cerca de trezentos , "Os Maias", duzentos, e "O
Primo Basílio", cento e cinquenta. |
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A obra de Eça ... além-fronteiras.
Eça encontra-se
traduzido em Espanha, França, Alemanha, Itália, Roménia, Holanda, Polónia, Hungria, China, Bulgária, Suécia, Catalunha, República
Checa, Croácia, Euskadi, Eslovénia e Japão. |
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Personagens ilustres
Abordagem das personagens masculinas e femininas
Eça castigou mais os homens do que as mulheres...
As personagens
masculinas, aparentemente fortes, opressoras, dominadoras e caprichosas, acabam por tornar-se mesquinhas e cobardes.
As personagens
femininas dialogam muito mais com as emoções, criando um clima de empatia
que nega o pseudo mau-trato da mulher na escrita queirosiana.
Américo Guerreiro de Sousa, em reflexão crítica sobre o adultério feminino,
presente em algumas obras de Eça de Queirós, anotava: "O adultério resulta das carências seguintes:
* sentimentalidade
* educação errada
* excesso de leituras
* lirismo
* temperamento sobreexcitado pela ociosidade
* luxúria frustrada no casamento
* falta de exercício físico
* falta de disciplina moral."
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FRADIQUE MENDES
(A
Correspondência de Fradique Mendes)
Figura
literária criada, nos verdores da juventude, por Eça, por Antero e por Batalha Reis, o primeiro Fradique é bizarro e provocador.
A poesia que dele se publica, nos remotos anos 60, e os gestos que lhe são atribuídos, n'"O Mistério
da Estrada de Sintra", fazem hesitar entre o riso e a estranheza.
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O Fradique
que Eça, anos depois e por sua conta e risco, recupera é mais contido sem ser, todavia, uma figura convencional. É um escritor
para sempre adiado, um poeta afectado pela tentação do silêncio que muito bem convinha a um certo fim de século: se a forma
perfeita não existe, para quê escrever? Desabafo de Fradique: "Eu não sei escrever! Ninguém sabe escrever!". |
Entre o esteticismo e o dandismo,
entre a tentação do pitoresco e a ânsia das viagens, entre a dispersão risonha e o cepticismo elegante, Fradique resolve-se,
por fim, em esterilidade e quase paródia de si mesmo. |
JULIANA
(O Primo Basílio)
Mal aparece,
n'"O Primo Basílio", Juliana está marcada. Logo de início, a criada de Luísa mostra umas
feições "miúdas, espremidas"; e a "amarelidão de tons baços das doenças de coração" parece anunciar
uma vida de frustrações e de sofrimentos. Como se isso não bastasse, o penteado deforma-a até à caricatura: "Usava
uma cuia de retrós imitando tranças que lhe fazia a cabeça enorme."
De seu
nome completo Juliana Couceiro Tavira, a criada disputa, no romance, protagonismo à patroa. E a chantagem que exerce sobre
a adúltera Luísa chega a dividir o leitor, que oscila entre a repulsa e a tolerância. Porque, afinal a curiosidade doentia
de Juliana, o seu azedume permanente não são fruto do acaso; eles decorrem de um ódio acumulado, resultado de uma vida oprimida,
patroa atrás de patroa, alcunha atrás de alcunha: a isca seca, a fava torrada, o saca-rolhas. |
Juliana transporta em si
alguma coisa do Eça socialista e reformista, preocupado com injustiças que havia que denunciar; mas o tratamento que a criada
sofre, no corpo do romance, acaba por fazer dela figura com sinal negativo. O que, sendo ideologicamente significativo, não
impede que Juliana venha a ser uma das figuras mais fortes e impressivas de toda a ficção queirosiana. E para que não se diga
que nela nada de feminino sobrevive, aí está o seu fascínio pelo feitio da botina e pela pequenez do pé: "O
pé era o seu orgulho, a sua mania , a sua despesa", diz-se dela; e é a própria Juliana quem o confirma, plena de
erotismo recalcado, ávida de evidência social: "- Como poucos - dizia ela - não vai outro ao Passeio!" |
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O CONSELHEIRO ACÁCIO
(O Primo Basílio)
O Conselheiro
Acácio é a caricatura do "formalismo oficial", "nunca usava palavras triviais" e "sempre que dizia
'El-Rei' erguia-se um pouco na cadeira". Porque o Conselheiro Acácio é também um patriota atento e venerador; por isso mesmo,
"dizia sempre 'o nosso Garrett, o nosso Herculano'". |
E contudo,
este antigo director-geral do Ministério do Reino tem culpas mal escondidas no seu cartório privado; como se não bastasse
que os seus sisudos livros ficassem por vender, Acácio cultivava singulares leituras de cabeceira : as poesias obscenas de
Bocage, compartilhadas, no retiro austero da Rua do Ferregial, com a criada com quem vivia amancebado.
É alguma
coisa disto que D. Felicidade, beata e pateta, vem a saber. O desgosto é grande, naturalmente porque D. Felicidade nutria
pelo conselheiro uma antiga paixão e também uma fixação: "Havia sobretudo nele uma beleza, cuja contemplação
demorada a estonteava como um vinho forte: era a calva." |
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Para o imaginário queirosiano
ele veio a transformar-se numa das personagens que de certa forma passaram para o mundo real. Pensando decerto neste burocrata
para quem as "curiosidades" do Alentejo eram "de primeira ordem", Eça de Queirós referiu-se várias vezes à mentalidade conselheiral,
quando quis aludir à oca solenidade que lembrava esta sua personagem. Longe estava Eça de saber que a língua portuguesa havia
de cunhar o adjectivo "acaciano", precisamente derivado do nome da criatura que por ele nos foi legada. |
JACINTO
(A Cidade e as Serras)
Zé Fernandes
("homem das serras", que disso se orgulha) coloca, no centro da história que relata, Jacinto, uma figura em mudança. No início
d'"A Cidade e as Serras", encontramo-lo eufórico com a Civilização; anos depois, Zé Fernandes observa nele sinais de cansaço:
"notei que corcovava". Quando parte para as Serras, Jacinto vai desconfiado, mesmo temeroso; sobrevém, por fim a revitalização
inesperada: a do corpo e a do espírito. |
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Em Paris, Jacinto é ele mesmo
mais as geringonças inventadas por uma Civilização tentacular: aparelhos sofisticados (o fonógrafo, o telefone, o conferençofone,o
teatrofone), modas bizarras, escovas e pentes de feitios engenhosos, uma enorme biblioteca e modos de vida supercivilizados
deixam-no cada vez mais indiferente. Porque a Civilização tudo lhe dá, menos alegria de viver. Razão tinha o escudeiro Grilo,
um "venerando preto" que um dia fixou, num diagnóstico insuperável, a doença de Jacinto:"- Sua Excelência sofre de fartura." |
A regeneração
dá-se no reencontro com as Serras, experiência decisiva de regresso às origens, nisso a que hoje chamamos Portugal profundo;
nele desdobra-se uma Natureza aparentemente pura, mas não isenta de sofrimento. E contudo, os costumes e as coisas singelas,
tal como a simplicidade dos alimentos, reconduzem Jacinto à alegria de viver e mesmo ao riso. O que não implica a recusa radical
da Civilização, mas antes a busca desse "equilíbrio de vida" e da efectiva
Grã-Ventura que Zé Fernandes testemunha, por fim; o casamento e a paternidade acrescentam a tais qualidades uma outra: a fecundidade
que na Cidade parecia cancelada.
Cabe ao
Grilo resumir, outra vez com uma expressão lapidar, esse estádio final da mudança do amo: "- Sua Excelência
brotou!" Jacinto já não é "Jacinto ponto final". |
CONDE D'ABRANHOS
(O Conde de Abranhos)
Alípio
Severo Abranhos é conde e motivo de uma biografia caricata e caricatural.
Em si
mesmo, Abranhos satiriza o político do constitucionalismo, a sua mediocridade
e o postiço que o atormenta; doutro ponto de vista, ele é sobretudo a falsificação do talento e da habilidade política. Em síntese, a ironia de Eça no seu máximo fulgor. |
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Se há
figura que, na galeria das personagens queirosianas, ilustra a ambição política
que não olha a meios para atingir os fins, essa figura é o conde d'Abranhos.
Finalmente
ministro da Marinha, o conde ocupava-se "sobretudo de ideias gerais".
A questão
- vexatória "só para os espíritos subalternos" - estava em que o ministro situava
Moçambique na costa ocidental da África. Quando interpelado por uma oposição zelosa de minúcias, o conde dá uma resposta que
o biógrafo classifica de "genial": "- Que fique na costa ocidental ou na costa oriental, nada tira
a que seja verdadeira a doutrina que estabeleço. Os regulamentos não mudam com as latitudes!" |
TEODORICO RAPOSO
(A Relíquia)
Astuto
e atrevido, o "Raposão" maduro que fala ao leitor, deixa para trás uma odisseia de aventuras amorosas
e de vistosas devoções.
Teodorico
é o herdeiro potencial da "horrenda senhora", sua tia, D. Patrocínio das Neves que, com o seu "carão lívido", o acolhe em sua casa, depois da morte do pai Raposo. Começa então a disputa pelos dinheiros
e pelas propriedades da Titi, contra um rival de respeito: o próprio Jesus Cristo. |
O estratagema
que há-de desbancar o rival diz muito de uma mentalidade que o Eça anticlerical trata de caricaturar. Teodorico empreende
uma viagem à Terra Santa; de lá virá a relíquia que deveria converter a tia às virtudes do sobrinho. Só que Deus não dorme
e a coroa de espinhos que o sábio Topsius cauciona é misteriosamente trocada pela camisa da Mary, rescendendo ainda aos delírios
amorosos do "portuguesinho valente". Expulso do seio da Titi, Teodorico não perde tudo e herda
um óculo: "- Para ver o resto de longe! - considerou filosoficamente Justino". |
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Em constante equilíbrio entre
beatice e devassidão, Teodorico vai mais longe do que parece. Perpassa, no seu atribulado trajecto de aventuras e desventuras,
uma reflexão sobre a hipocrisia e a duplicidade humanas. |
CONDESSA DE GOUVARINHO
(Os Maias)
Da primeira
vez que Carlos da Maia ouve falar da senhora condessa de Gouvarinho, a descrição é insinuante: "uma
senhora inglesa, de cabelo cor de cenoura, muito bem feita". |
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Mergulhada no tédio de uma
vida sem emoções, a Gouvarinho rapidamente faz justiça ao seu "arzinho de provocação e de ataque"
e empolga Carlos. A ligação é breve, mas a senhora condessa não deixa, por isso, de ser amante nervosa e exigente; tão exigente
que Carlos rapidamente se farta.
Na galeria queirosiana, a
condessa é parte de uma vida colectiva, em que a mulher aristocrata - no caso, aristocrata por casamento - tinha a expressão
pública que lhe era concedida pela |
vontade
masculina: o casamento, as obrigações sociais (receber, estar, conversar), uma ou outra leitura e, quando calhava, o adultério.
Massacrada pelas esquisitices e pelos remoques do conde,
a senhora condessa não se ensaia e atira ao chão a loiça, num ataque de fúria; e, humilhada pela lembrança de que "fora
ele que fizera dela uma condessa", não esteve com meias medidas: "ali mesmo à mesa mandou
o condado à tabua". |
DÂMASO SALCEDE
(Os Maias)
Repare-se
no nome: Dâmaso Cândido de Salcede. E, logo de seguida, no cartão de visita: por baixo do nome,
"as suas honras" - COMENDADOR DE CRISTO, ao fundo a sua "adresse", corrigida para dar lugar a "esta
outra mais aparatosa - GRAND HÔTEL, BOULEVARD DES CAPUCINES, CHAMBRE Nº 103".
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Depois
de uma apresentação como esta, nada a fazer. Dâmaso Salcede está condenado a ser o que é; lisboeta novo-rico, janota e pedante,
filho de agiota, o velho Silva, e sobrinho de "Mr. De Guimaran", ele é, para mais, fisicamente caricato: um "moço gordo e
bochechudo", de face quase sempre corada e ostentando essa coxa roliça que a palavra perversa e arguta de Eça constantemente
põe à vista do leitor.
Mas se
Dâmaso é o que é, deve-o ao modelo a que se atrela; a figura de Carlos da Maia é, para ele, obsessiva. A religiosa adoração
por Carlos, a quem imita e segue para todo o lado "como um rafeiro", torna-o grotesco; e a imbecilidade das suas opiniões
e "toilletes", a inconveniência das suas maneiras e da sua linguagem, tudo acaba por fixar-se num tique expressivo que é,
ao mesmo tempo, uma imagem de marca: "chique a valer".
Com as
mulheres, nem se fala. Capaz de provocar paixões avassaladoras - tenha-se em vista aquela actriz do Príncipe Real, "montanha
de carne" que, em desespero e por causa dele, procura a morte, tragando uma caixa de fósforos -, este homem fatal tudo faz
para merecer o cognome de que certamente se orgulha. Dâmaso é, em suma, "o D. João V dos prostíbulos".
Por fim,
Dâmaso Salcede acaba como convém: casado, traído, mas igualmente feliz e cheio de si. Ninguém como João da Ega para tudo sintetizar,
em conversa com Carlos da Maia: "Coitado, coitadinho, coitadíssimo... Mas como vês, imensamente ditoso,
até tem engordado com a perfídia!". |
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